Monday, January 25, 2016

Alcateia

Nasço um pequeno lobo, de uma ninhada de dois, num mundo que antes de nascer já se mostrara não ser o meu lar...Dois fragéis lobos , sempre juntos mas sempre distante; as diferenças não permitiam ascender de uma simples companhia...eu nascera aparentemente branco, mas de coração enegrecido como se nunca tivesse batido pela primeira vez e a Morte sempre ameaçasse levar, meu irmão já usava esse manto negro, esse da Morte, mas irradiava luz, que se perdia no meio das Trevas que assombravam nosso Fado...
No Frio Inverno não conheciamos nada mais que dentes e garras, dentes e garras, dentes e garras, manchado de sangue esteve nosso percurso...Sempre juntos, sempre distantes...Então perdi meu irmão, aquele que nunca o fora, por designio do destino, não era meu para o guardar, teria de o deixar ir...adoptei-lhe o manto, perdeu-se o alvo, perdeu-se o branco, teria de aprender a vestir esse Manto, o Negro da Morte, e se meu coração não conhecera nada senão trevas, a Solidão tratou de lhe sugar a leve centelha que o Sonho e a Esperança teimavam em não largar...e o sangue manchava a neve...

Nem quando o Sol se apagar, este Mundo deixará de rodar...e assim foi,.. e com a chegada da Primavera e de uma ébria e marcada juventude, nasce outra ninhada, também estes órfãos...eram meus...mas mais que isso eu era deles, muito mais do que algum dia saberão...sob meu olhar atento brincaram esses dois,..tão diferentes mas tão irmãos...invejava-os em segredo...não conheciam o Inverno.
Cheio de negrume, cresci, e eles cresceram comigo, eu sangrava e eles impios de carmesim...eram meus...era o Escudo que afastava a solidão, a Primavera que meu coração teimava em não querer conhcer...Dentadas dos lobos maiores e mais fortes, aqueles que me deixaram abandonado no Inverno, nenhuma lhes chegou...sangraria eu em vez deles, e ainda assim sobreviveria com eles.

Chegava então ao auge...nunca estivera tão forte, mas nunca me sentirá tão sozinho...tombam os velhos lobos, que apesar dos seus ecos ainda perpetuarem no meu coração, apesar de me terem enegrecido, protegiam a Alcateia, e enrijeceram-me...por isso sou-lhes gratos...por me enrijecerem, por treinarem as minhas garras e testarem meus dentes afiados...

No encerrar do Verão, eramos 5... os pequenos lobitos ainda brincavam, e já eu caçava com os outros 2...mas esses...esses que também tinham alimentado o negrume, nunca me alimentaram a alma...
Por infortúnio do Destino, perderam-se...caminharam, também eles cheios de negrume, por Caminhos por onde não ouso nem pensar...e ainda assim choro-os...lágrimas de sangue...Até neste terrível ato de serem vítimas, me deixaram novamente só...ainda mais? Não acreditava ser possivel...Mas e os lobitos?

Oh pobre lobo, o Negrume és tu, o Tempo passou, os lobitos cresceram e agora mostram-me eles os Dentes...deixá-los...fico sozinho...mas não quero. Tão por eles olhei que cresceram sem os ver. Não conheço a sua Força...Perdi-os?

Estou velho, cansado, de um Mundo que não parou de rodar, e que nunca agradeceu o sangue do qual se alimentou...E aqueles pequenos Lobitos...querem tornar-se Caçadores...não sei se os conseguirei acompanhar...penso que pereceram, tal como os outros todos, o meu irmão de ninhada, os velhos tombados, os que perderam...

Mas envergo eu o Manto da Morte, eu sou a Morte, eu sou a Solidão, eu sou o Sangue que derrama, eu sou o Velho, eu me perdi...
Abate-se de forma agoirenta o frio Inverno, e já não vejo os Lobitos...mas como veria um Lobo cego?

Ai de mim, Lobo Doente, o mais frágil desde sempre, que me perco...Deixá-lo...ficarão melhor sem eles, ficarão melhor sem mim...Basta que queiram vislumbrar a Primavera...

O Mundo Roda a Alcateia vive, num Mundo que nunca a conheceu, Morro eu morre o Uivo da noite, perdeu-se a Alcateia...e os Lobitos?

 Onde andam meus Lobitos...

Sunday, January 3, 2016

Agora que o Lobo Cantou:

Agora que o Lobo Cantou deixo-vos uma obra de Antero de Quental. Celebra um Amor, o mais puro que podemos achar, pois quem mais conseguirá verdadeiramente amar, sem antes ter sofrido assim. Fica à Reflexão.

Maria


Tenho cantado esperanças...
Tenho falado d'amores...
...Das saudades e dos sonhosCom que embalo as minhas dores...

Entre os ventos suspirando
Vagas, tênues harmonias,
Tendes visto como correm
Minhas doidas fantasias.

E eu cuidei que era poesia
Todo esse louco sonhar...
Cuidei saber o que é vida
Só porque sei delirar...

Só porque a noite, dormindo
Ao seio duma visão,
Encontrava algum alivio,
Meu dorido coração,

Cuidei ser amor aquilo
E ser aquilo viver...
Oh! que sonhos que se abraçam
Quando se quer esquecer !

Eram fantasmas que a noite
Trouxe, e o dia já levou...
A luz d'estranha alvorada
Hoje minha alma acordou !

Esquecei aqueles cantos...
Só agora sei falar !
Perdoa-me esses delírios...
Só agora soube amar !

Antero de Quental
Quando Canta o Lobo

Quando Canta o Lobo, só ouve quem souber Escutar,bebendo de cada nota, cada Uivo que der será a maior verdade amarga ou um sopro lamento da sua Alma que morre gelada pelo toque de 4 anos de Inverno. Essa Alma que já não conhece o doce aroma da sua Primavera, e mesmo cego e moribundo, teima em a ver chegar. Cantará o Lobo, mesmo que moribundo, enquanto que cante o Lobo se fará ouvir a Esperança de ver florir.
Cantares de um Lobo


Escrevo para mim e para quem quiser também beber e partilhar deste cálice que encho e esvazio, encho e esvazio, encho e esvazio, na esperança de que um dia consiga perceber, a essência do néctar que provo cada vez que meus lábio tocam nesse Graal, dez vezes maldito, do qual me farto, mas não largo, qual vício que ameaça corromper, deixando veias negras, mas não abandona uma alma estropiada.

São Mágoas felizes, ditos e dizeres, fruto de uma procura que teima em não se faz entender. São buscas de um Fado malfadado, com o som vazio de uma Guitarra.São devaneios de alguém que não se recorda de alguma vez ter sido sábio, mas que o é, ainda que enlutado.São Palavras que apanho do Vento e vos trago, mal tragadas por um Espírito Inquieto. São toques de um Anjo Oculto, cujas asas perdidas ameaçam levar-me num voo no qual não quero partir. São Lágrimas que escorrem de um rosto frio que não sabe a quem pertence. São o Todo de um Vazio. 

O que são, sabereis vos ou não o saberá ninguém, mas agora Canta o Lobo...

Lobo Negro